Autor: Geovani Martins
Título Original: O Sol na Cabeça
Páginas: 120
Ano: 2018
Editora: Companhia das Letras





Em O sol na cabeça, Geovani Martins narra a infância e a adolescência de garotos para quem às angústias e dificuldades próprias da idade soma-se a violência de crescer no lado menos favorecido da “Cidade partida”, o Rio de Janeiro das primeiras décadas do século XXI.Em “Rolézim”, uma turma de adolescentes vai à praia no verão de 2015, quando a PM fluminense, em nome do combate aos arrastões, fazia marcação cerrada aos meninos de favela que pretendessem chegar às areias da Zona Sul. Em “A história do Periquito e do Macaco”, assistimos às mudanças ocorridas na Rocinha após a instalação da Unidade de Polícia Pacificadora, a UPP. Situado em 2013, quando a maioria da classe média carioca ainda via a iniciativa do secretário de segurança José Beltrame como a panaceia contra todos os males, o conto mostra que, para a população sob o controle da polícia, o segundo “P” da sigla não era exatamente uma realidade. Em “Estação Padre Miguel”, cinco amigos se veem sob a mira dos fuzis dos traficantes locais.
Nesses e nos outros contos, chama a atenção a capacidade narrativa do escritor, pintando com cores vivas personagens e ambientes sem nunca perder o suspense e o foco na ação. Na literatura brasileira contemporânea, que tantas vezes negligencia a trama em favor de supostas experimentações formais, O sol na cabeça surge como uma mais que bem-vinda novidade.

Historicamente falando nosso país tem uma série de fatores que gera uma miscigenação gigantesca e que garante para a mesma história fatores que levam a nossa cultura a um patamar cheio de grandeza. Isto é que o se poderia pensar os historiadores ou o que muita gente discute quando fala da história de nossa país.

Quando recebi O Sol na Cabeça para ler, um livro de contos, fiquei curiosa para tentar entender como um autor conseguiria traduzir em poucas páginas todo o sentimento que ronda o coração da população e de milhares de moradores especificamente das comunidades brasileiras as quais denominamos de favelas. 

"Não era para estar ali. De repente, tudo se confundia: tomava cerveja, sentia saudade, orgulho, vontade. Um moleque brotou com tinta, uns papos de escolta, a bola de metal dançando na lata, o cheiro forte de adrenalina. Quando viu, já subia na direção do terraço do prédio assustado pela mulher apavorada que gritava: "Pega ladrão!". Pág. 51

E então, ao começar a ler o primeiro conto percebi que o choque cultural que eu possuía em mãos mesmo que em poucas palavras de cada pequeno contexto de ação era mais do que eu podia sequer imaginar, é algo o qual eu não vivo, o qual eu não vivi e que não vejo ao abrir a janela da minha casa. Sim, não sou hipócrita, nasci em uma parte da população que é privilegiada de alguma forma, e que de muitas outras já encarou o racismo como observador. E é por isto que cada conto deste livro traduz no peito a dor e a necessidade de emoção.

Geovani Martins traduz em seus contos uma diversidade de emoções e até mesmo de expectativas que os moradores das favelas sentem. No primeiro conto denominado Rolézim, o personagem que coloca a linguagem informal exatamente como é falada conta a história de como é passar um dia na praia, com seus amigos e como mesmo que não façam nada a polícia tende a perseguir eles ou então como os chamados playboys acreditam que eles sempre são os ladrões.





"Não vou falar duas vezes que é para sumir com essa merda desse corpo da minha frente. Papo reto, se alguém der falta desse desgraçado e cair mais um processo nas minhas costas, juro que quem vai pra vala é tu, filho da puta! Agora anda, desaparece, que bandido burro é a pior raça que existe." Pág. 113

Em Roleta-Russa fiquei totalmente chocada por já saber deste fato mas ter exposto de uma forma tão direta o jeito como as pessoas já discernem que quando uma pessoa nasce negra acredita-se que desta forma ela vai tornar-se um ladrão. Neste conto o personagem vai traduzir a dor de conviver desde a infância com esta consequência.

O Mistério da Vila foi o que mais me emocionou. Sabe aquelas pessoas que tem suas crenças e ao mesmo tempo procuram outras saídas para suas necessidades? Neste conto o autor mostrou o amor para com as pessoas quando elas mais necessitam, mesmo que o que se quer mostrar aos outros seja diferente.

Não quero falar sobre todos os contos para não deixar tudo tão claro, mas é neste livro que você vai encontrar fatos sobre racismo, política, desigualdade social, luta, amizade.

Claro que eu fiz alguns julgamentos. Mas em um certo ponto eu me coloquei do outro lado e percebi que não há como julgar quando não se está naquele cenário. Como a corrupção destrói a esperança de muita gente e como esta mesma gente espera tanto e luta por muito.



"Por mais que às vezes me parecesse loucura, sentia que não poderia parar, já que eles não parariam. As vítimas eram diversas: homens, mulheres, adolescentes e idosos. Apesar da variedade, algo sempre os unia, como se fossem todos da mesma família, tentando proteger um patrimônio comum." Pág. 19

Eu quero sentar com o autor e perguntar várias coisas para ele. Saber quais as sensações que ele teve ao escrever cada palavra, pedir para escrever mais contos, pedir para explicar o motivo da sociedade ser tão hipócrita e tão distante. Não sei se ele teria as respostas ou se eu tenho elas. 

O livro é muito bem estruturado e com uma bela diagramação. Mas o que vale pela leitura é o sentimento que vai brotar dentro de você.


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